sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Absolvendo os irracionais

Há algumas semanas, postei sobre um projeto de lei que previa a obrigatoriedade de prestação de serviços comunitários a todos aqueles que se formassem em universidades públicas pelo país. Em outros palavras, a proposta era ordenar aos nobres formandos nacionais o mesmo que se ordena àqueles que cometem crimes por aqui, mesmo que "leves".

E quem diria que, enquanto isso, outra incoerência - pra dizer o mínimo - acontecia, dessa vez no Rio Grande do Sul. Foi aprovado recentemente um projeto de lei, criado em 2003, que acrescenta uma observação ao Código de Proteção aos Animais daquele estado: nem todos os casos de tortura e sacrifício aos animais são condenáveis. Segundo o autor dessa genialidade, Edson Portilho, uma das leis que compunham o Código Estadual de Proteção aos Animais estava "atrapalhando" cultos religiosos de matriz africana, que envolvem tortura de animais.

O argumento do projeto reside na Consituição Federal, em um trecho em que diz que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". Isto é, se existem no país crenças de que torturar seres vivos tão parecidos conosco é uma forma de culto, elas devem ser, acima de tudo, desprezadas. Já não se trata mais de liberdade religiosa, respeito à crença alheia ou de discordar de uma fé diferente da minha. Ou será que o respeito a esse tipo de culto religioso é mais importante do que o respeito à vida de qualquer outro ser vivo dotado de tato e sentimentos?

Porém, infelizmente e mesmo dadas essas condições, o vereador Portilho insiste em analisar friamente o trecho da Constituição no qual se baseia a lei de sua autoria. Ora, nosso ilustríssimo político deve saber dos cultos africanos que envolvem sacrifícios humanos. O que aconteceria se estes fossem importados para o nosso país? Seriam chamados de "desumanos" certamente, e não seriam enquadrados no trecho da Constituição que envolve liberdade religiosa. A pergunta então passa a ser: por que não é também desumana a tortura de animais a sangue frio? Cultos que consistem em arrancar dentes e membros de animais e deixá-los vivos, até que se tornem inúteis para outros rituais e sejam abatidos, ainda conscientes? Quem irá dizer que isso não é tão irracional quanto o sacrifício humano?

Cabe lembrar também ao político que, da mesma forma que a crueldade com os seres vivos é justificada pela crença e que esta deve ser inviolável, como condenar os nazistas, que sacrificavam negros e judeus pela crença de que a raça ariana era superior? Como condenar as potências imperialistas que dominaram e escravizaram povos inteiros na crença de que eles precisavam se desenvolver e o Imperialismo ajudaria nesse sentido? Como criticar tantas guerras antigas e atuais que ao longo da história deixaram bilhões de mortos e provocaram verdadeiros oceanos de lágrimas, se elas muitas vezes eram motivadas por crenças religiosas dos povos e estas, na análise do vereador, devem ser priorizadas?

Pode parecer exagero trazer aqui exemplos dessa grandeza, mas a conclusão é de que não, não pode ser inviolável toda e qualquer crença religiosa, a partir do momento em que algumas delas ferem a liberdade de outros seres vivos. A razão é um privilégio exclusivo do ser humano, mas um privilégio que não nos torna superior a ponto de submeter os outros seres a torturas, principalmente por motivos fúteis.

Alguns talvez tenham sentido falta de imagens fortes, tais quais cachorros sendo queimados vivos, gatos sendo mutilados, vacas tendo suas cabeças decepadas etc; tão comuns nas redes sociais atualmente. Acontece que eu não vejo nesse tipo de divulgação nada que ajude no combate à crueldade com animais. Além do fato de ninguém ser obrigado a dar de cara com imagens desse tipo, as pessoas atingidas pelas imagens são justamente aquelas que nada tem a ver com esses crimes, por não estarem acostumadas a essas cenas. Ao mesmo tempo, alguém que está habituado a esse tipo de crime simplesmente daria de ombros para as fotos e vídeos divulgados, justamente porque acham aquilo comum. Antes de começar campanhas virtuais ou coisas do tipo, é sempre bom sabermos quem exatamente queremos e quem iremos atingir.

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